{"title":"Cartesius dissoluto / Dissolute Cartesius","authors":"Danilo Bernardes Teixeira","doi":"10.17851/2358-9787.30.3.59-80","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Resumo: No romance Catatau, de Paulo Leminski, uma personagem reconhecível se projeta: Renatus Cartesius, produtor do imenso solilóquio que constitui a totalidade do texto, parece corresponder a René Descartes, o famoso matemático francês do século XVII. Postado sob uma árvore do Jardim Botânico de Recife, entre as lentes de sua luneta e o cachimbo de erva narcótica que vorazmente aspira, Cartesius toma contato com a selvagem natureza brasileira, ainda que (cartesianamente) organizada sob as formas de um jardim zoobotânico. Este artigo pretende investigar, a princípio, o modo pelo qual o romance- ideia de Leminski agencia esse inevitável contraste entre dois Descartes: o Descartes da história da filosofia, autor das Regras para a direção do espírito, e o desregrado Cartesius da situação ficcional engendrada por Leminski. Para realizar tal investigação, este artigo procurou se ater a algumas passagens do romance, com o intuito de checar os modos pelos quais a paródica e carnavalesca figuração de Descartes se baseia em uma anticartesiana dissolução da integridade egoica da personagem, gerando, com isso, muito mais que superficial humorismo. Antes, o artigo defende a hipótese de que, com a dissolução da figura de Descartes, o romance esboça antropofágica reação aos processos coloniais a que o Brasil teria sido exposto, ao longo de sua história. Tal reação, contracolonizadora, se sustenta na medida em que associa o esfacelamento egoico de Cartesius ao impacto causado por uma exuberante natureza que, por sua hiperbólica constituição, não se submete às quadraturas impostas pelo pensamento europeu – de que Descartes se faz emblema.Palavras-chave: Paulo Leminski; Catatau; René Descartes; literatura brasileira; estudo de personagem; filosofia.Abstract: In Paulo Leminski’s novel, Catatau, a recognizable character is projected: Renatus Cartesius, the immense soliloquy’s producer that constitutes the entire text, seems to correspond to René Descartes, the famous 17th century French mathematician. Standing under a tree at the Recife Botanical Garden between the lenses of his bezel and the narcotic weed pipe he voraciously smokes, Cartesius makes contact with the wild Brazilian nature, although (Cartesian) organized in the form of a zoobotanical garden. This article intends to investigate at first the way in which Leminski’s novel-idea handles this inevitable contrast between both Descartes: Descartes from the History of Philosophy, author of Rules for the Direction of the Mind and the intemperate Cartesius from the fictional situation engendered by Leminski. To conduct such an investigation, this article sought to stick to some passages of the novel in order to check the ways in which Descartes’s parody and carnival figuration are based on an anticartesian dissolution of the character’s egoic integrity, thus generating much more than superficial humor. Rather, the article defends the hypothesis that with the dissolution of Descartes’s figure, the novel outlines an anthropophagic reaction to the colonial processes to which Brazil would have been exposed throughout its history. This counter-colonizing reaction is sustained insofar as it associates Cartesius’s egoic disintegration with the impact caused by an exuberant nature, which due to its hyperbolic constitution, does not submit to the quadratues imposed by the European thought – of which Descartes becomes an emblem.Keywords: Paulo Leminski; Catatau; René Descartes; Brazilian literature; character study; philosophy.","PeriodicalId":40902,"journal":{"name":"Eixo e a Roda-Revista de Literatura Brasileira","volume":" ","pages":""},"PeriodicalIF":0.1000,"publicationDate":"2021-10-08","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Eixo e a Roda-Revista de Literatura Brasileira","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.17851/2358-9787.30.3.59-80","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"0","JCRName":"LITERATURE, ROMANCE","Score":null,"Total":0}
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Abstract
Resumo: No romance Catatau, de Paulo Leminski, uma personagem reconhecível se projeta: Renatus Cartesius, produtor do imenso solilóquio que constitui a totalidade do texto, parece corresponder a René Descartes, o famoso matemático francês do século XVII. Postado sob uma árvore do Jardim Botânico de Recife, entre as lentes de sua luneta e o cachimbo de erva narcótica que vorazmente aspira, Cartesius toma contato com a selvagem natureza brasileira, ainda que (cartesianamente) organizada sob as formas de um jardim zoobotânico. Este artigo pretende investigar, a princípio, o modo pelo qual o romance- ideia de Leminski agencia esse inevitável contraste entre dois Descartes: o Descartes da história da filosofia, autor das Regras para a direção do espírito, e o desregrado Cartesius da situação ficcional engendrada por Leminski. Para realizar tal investigação, este artigo procurou se ater a algumas passagens do romance, com o intuito de checar os modos pelos quais a paródica e carnavalesca figuração de Descartes se baseia em uma anticartesiana dissolução da integridade egoica da personagem, gerando, com isso, muito mais que superficial humorismo. Antes, o artigo defende a hipótese de que, com a dissolução da figura de Descartes, o romance esboça antropofágica reação aos processos coloniais a que o Brasil teria sido exposto, ao longo de sua história. Tal reação, contracolonizadora, se sustenta na medida em que associa o esfacelamento egoico de Cartesius ao impacto causado por uma exuberante natureza que, por sua hiperbólica constituição, não se submete às quadraturas impostas pelo pensamento europeu – de que Descartes se faz emblema.Palavras-chave: Paulo Leminski; Catatau; René Descartes; literatura brasileira; estudo de personagem; filosofia.Abstract: In Paulo Leminski’s novel, Catatau, a recognizable character is projected: Renatus Cartesius, the immense soliloquy’s producer that constitutes the entire text, seems to correspond to René Descartes, the famous 17th century French mathematician. Standing under a tree at the Recife Botanical Garden between the lenses of his bezel and the narcotic weed pipe he voraciously smokes, Cartesius makes contact with the wild Brazilian nature, although (Cartesian) organized in the form of a zoobotanical garden. This article intends to investigate at first the way in which Leminski’s novel-idea handles this inevitable contrast between both Descartes: Descartes from the History of Philosophy, author of Rules for the Direction of the Mind and the intemperate Cartesius from the fictional situation engendered by Leminski. To conduct such an investigation, this article sought to stick to some passages of the novel in order to check the ways in which Descartes’s parody and carnival figuration are based on an anticartesian dissolution of the character’s egoic integrity, thus generating much more than superficial humor. Rather, the article defends the hypothesis that with the dissolution of Descartes’s figure, the novel outlines an anthropophagic reaction to the colonial processes to which Brazil would have been exposed throughout its history. This counter-colonizing reaction is sustained insofar as it associates Cartesius’s egoic disintegration with the impact caused by an exuberant nature, which due to its hyperbolic constitution, does not submit to the quadratues imposed by the European thought – of which Descartes becomes an emblem.Keywords: Paulo Leminski; Catatau; René Descartes; Brazilian literature; character study; philosophy.