{"title":"2020: O TEMPO","authors":"F. Michelon","doi":"10.15210/ee.v26i1.20303","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"2020 não é um ano, é um hiato. Gravitamos na essencialidade do global que caracteriza a pandemia do novo coronavírus. Como disse o filósofo italiano Roberto Esposito1, nenhuma grande pandemia passa sem provocar mudanças profundas nas sociedades. E, nessa que estamos vivendo, há o fato inédito e inegável da globalidade. Segundo ele: “é o primeiro evento, ainda mais que as guerras mundiais, realmente global”. Compartilhamos com o resto do mundo o que o filósofo diz ser “um princípio trágico de igualdade porque todos podem ser atingidos pelo vírus”. No entanto, a reação, em princípio, tem sido diferente de lugar para lugar. Em alguns locais, elaborou-se uma “política feita em nome da vida”. Em outros — e conhecemos bem um desses — firmou-se uma política “que faz da morte de alguns a condição de vida de outros”. 2020 é o ano que nos surpreendeu com o trabalho remoto, perdurado, intransigente e inegociável. E estávamos tão acostumados à presença, a compartilhar voz, lugar, espaço e tempo. De repente, apenas assim, isso deixa de ser. Passamos a um outro tipo de compartilhamento determinado pelas possibilidades tecnológicas que se fundamentam, quase que essencialmente, no uso das redes sociais e nos dispositivos que as possibilitam. Do lugar onde nos encontrávamos, passamos a sentir como se o mundo inteiro só vivesse nessas redes. Em pouco tempo, estávamos saturados de informações — corretas e incorretas, justas e injustas — de crônicas, análises, levantamentos, ponderações, notícias, em palavras, escritas ou faladas, de humor e de escatologia. No entanto, continuávamos carentes de conteúdos que nos explicassem o tempo presente. Ainda continuamos e precisamos de palavras que possam nos levar para um horizonte de melhores expectativas. No entanto, sabíamos que precisávamos agir e seguir. Não importa o resultado. Ou melhor, o único resultado que importa, por ora, é continuar.","PeriodicalId":366115,"journal":{"name":"Expressa Extensão","volume":"35 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2020-12-29","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Expressa Extensão","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.15210/ee.v26i1.20303","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
2020 não é um ano, é um hiato. Gravitamos na essencialidade do global que caracteriza a pandemia do novo coronavírus. Como disse o filósofo italiano Roberto Esposito1, nenhuma grande pandemia passa sem provocar mudanças profundas nas sociedades. E, nessa que estamos vivendo, há o fato inédito e inegável da globalidade. Segundo ele: “é o primeiro evento, ainda mais que as guerras mundiais, realmente global”. Compartilhamos com o resto do mundo o que o filósofo diz ser “um princípio trágico de igualdade porque todos podem ser atingidos pelo vírus”. No entanto, a reação, em princípio, tem sido diferente de lugar para lugar. Em alguns locais, elaborou-se uma “política feita em nome da vida”. Em outros — e conhecemos bem um desses — firmou-se uma política “que faz da morte de alguns a condição de vida de outros”. 2020 é o ano que nos surpreendeu com o trabalho remoto, perdurado, intransigente e inegociável. E estávamos tão acostumados à presença, a compartilhar voz, lugar, espaço e tempo. De repente, apenas assim, isso deixa de ser. Passamos a um outro tipo de compartilhamento determinado pelas possibilidades tecnológicas que se fundamentam, quase que essencialmente, no uso das redes sociais e nos dispositivos que as possibilitam. Do lugar onde nos encontrávamos, passamos a sentir como se o mundo inteiro só vivesse nessas redes. Em pouco tempo, estávamos saturados de informações — corretas e incorretas, justas e injustas — de crônicas, análises, levantamentos, ponderações, notícias, em palavras, escritas ou faladas, de humor e de escatologia. No entanto, continuávamos carentes de conteúdos que nos explicassem o tempo presente. Ainda continuamos e precisamos de palavras que possam nos levar para um horizonte de melhores expectativas. No entanto, sabíamos que precisávamos agir e seguir. Não importa o resultado. Ou melhor, o único resultado que importa, por ora, é continuar.