{"title":"人、物与损失:丹尼尔·米勒研究中的物质文化与消费视角","authors":"C. Pereira, Fernanda Martinelli","doi":"10.1590/2238-38752020V1035","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Tinha tudo sob controle: sua rotina regrada, seu corpo, seus sentimentos, seus relacionamentos, sua mesa de escritório na sala. Tudo estava conforme o esperado, nada fora do lugar. Um dia, pela janela de sua casa, sempre aberta para os dias de sol, avançou um vento muito forte, imprevisível, que primeiro sacudiu a cortina, que fez tombar a luminária, estilhaçando a lâmpada em mil pedaços, e que depois percorreu toda a casa, cômodo por cômodo, derrubando bibelôs, desfolhando as plantas, espalhando as pétalas secas perfumadas pela mesinha de centro, agitando as folhas do livro aberto na mesa de cabeceira, levando ao chão a correspondência recém-resgatada da caixa de correios. Fazendo a volta pelo corredor, depois de adentrar os quartos, antes de perder sua força, o vento deixou o tapete do escritório todo coberto com as mais de 100 folhas de papel recém-impressas − e que agora, espalhadas, deixavam sem sentido os números das páginas −, suas canetas multicoloridas e as fotografias antigas que estava separando a fim de levar para sua irmã. Saiu correndo da cozinha, assustada com a súbita visita desse vento de verão, deparou-se com a bagunça que de repente se instalara em seus espaços e, primeiro, imobilizouse, depois sentiu raiva pela desordem, em seguida entristeceu, resignou-se e, só mais tarde, pôs-se a rearranjar as coisas que restaram, resmungando e lamentando o que se perdera. Metáforas e eufemismos são figuras de linguagem sempre bem-vindas, mesmo quando o discurso se pretende sociológico e científico. 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AS PESSOAS, AS COISAS E AS PERDAS: PERSPECTIVAS DA CULTURA MATERIAL E DO CONSUMO NOS ESTUDOS DE DANIEL MILLER
Tinha tudo sob controle: sua rotina regrada, seu corpo, seus sentimentos, seus relacionamentos, sua mesa de escritório na sala. Tudo estava conforme o esperado, nada fora do lugar. Um dia, pela janela de sua casa, sempre aberta para os dias de sol, avançou um vento muito forte, imprevisível, que primeiro sacudiu a cortina, que fez tombar a luminária, estilhaçando a lâmpada em mil pedaços, e que depois percorreu toda a casa, cômodo por cômodo, derrubando bibelôs, desfolhando as plantas, espalhando as pétalas secas perfumadas pela mesinha de centro, agitando as folhas do livro aberto na mesa de cabeceira, levando ao chão a correspondência recém-resgatada da caixa de correios. Fazendo a volta pelo corredor, depois de adentrar os quartos, antes de perder sua força, o vento deixou o tapete do escritório todo coberto com as mais de 100 folhas de papel recém-impressas − e que agora, espalhadas, deixavam sem sentido os números das páginas −, suas canetas multicoloridas e as fotografias antigas que estava separando a fim de levar para sua irmã. Saiu correndo da cozinha, assustada com a súbita visita desse vento de verão, deparou-se com a bagunça que de repente se instalara em seus espaços e, primeiro, imobilizouse, depois sentiu raiva pela desordem, em seguida entristeceu, resignou-se e, só mais tarde, pôs-se a rearranjar as coisas que restaram, resmungando e lamentando o que se perdera. Metáforas e eufemismos são figuras de linguagem sempre bem-vindas, mesmo quando o discurso se pretende sociológico e científico. Como José Machado Pais (1993, p. 13) já pontuou, “No discurso científico, a metáfora desemhttp://dx.doi.org/10.1590/2238-38752020v1035
期刊介绍:
Sociologia & Antropologia busca contribuir para a divulgação, expansão e aprimoramento do conhecimento sociológico e antropológico em seus diversos campos temáticos e perspectivas teóricas, valorizando a troca profícua entre as distintas tradições teóricas que configuram as duas disciplinas. Sociologia & Antropologia almeja, portanto, a colaboração, a um só tempo crítica e compreensiva, entre as perspectivas sociológica e antropológica, favorecendo a comunicação dinâmica e o debate sobre questões teóricas, empíricas, históricas e analíticas cruciais. Reconhecendo a natureza pluriparadigmática do conhecimento social, a Revista valoriza assim as oportunidades de intercâmbio entre pontos de vista convergentes e divergentes nesses diferentes campos do conhecimento. Essa é a proposta expressa pelo símbolo “&”, que, no título da revista Sociologia & Antropologia, interliga as denominações das disciplinas que nos referenciam. Sociologia & Antropologia aceita os seguintes tipos de contribuição: 1) Artigos inéditos (até 9 mil palavras incluindo referências bibliográficas e notas) 2) Registros de pesquisa (até 4.400 palavras). Esta seção inclui: Apresentação de fontes e documentos de interesse para a história das ciências sociais Notas de pesquisa com fotografias Balanço bibliográfico de temas e questões das ciências sociais 3) Resenhas bibliográficas (até 1.600 palavras). 4) Entrevistas