{"title":"Gestão sanitária da COVID-19 e o conspiracionismo do “marxismo cultural”","authors":"Ana Paula Andrade Piccini Gomes, Leonardo Carnut","doi":"10.14295/jmphc.v15.1324","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Não é novidade que as teorias conspiratórias – um conjunto de narrativas que têm como objetivo sustentar uma percepção social e política – compõem o âmago histórico das sociedades humanas. Essas teorias, que ganham voz principalmente em momentos históricos de crise, como podemos observar nos argumentos da “Nova Ordem Mundial”, “Falácia do aquecimento global”, entre outros, já estão consolidados no ideário popular. Dentre esta profusão de teorias da conspiração, uma delas tem sido frequentemente vociferada no mundo e, especialmente no Brasil: o “marxismo cultural”. Esta teoria conspiratória designa um conjunto de estratégias que teriam sido desenvolvidas pela Escola de Frankfurt e por Antonio Gramsci e posta em prática pela esquerda mundial, objetivando a destruição da cultura ocidental. Isto tem sido combinado com sucesso no Brasil com outra teoria: a da “Ameaça comunista no Brasil”, uma crença de que o país está à beira de se converter ao comunismo. A pandemia da COVID-19 fomentou ainda mais o solo fértil de tais teorias conspiratórias. Grupos que creem no “marxismo cultural”, por exemplo, têm propagado um conjunto de argumentos de que sustentam várias teses negacionistas da ciência como o antivacinismo e outras descrenças na ciência relacionadas a tratamentos e imunização de COVID-19 atribuídas a grupos de esquerda ou uma suposta dominação da “esquerda mundial”. Como observado nos últimos anos, tais argumentos têm consequências catastróficas para a saúde pública. Em cartilha da Organização Pan-Americana de Saúde, editada em 2020, o termo aparece sendo suavizado como “infodemia” e “desinformação”, não permitindo a compreensão crítica da urgência em combater esse tipo de narrativa. Segue-se, então, esse clima de ameaça constante onde não se há limites racionais e céticos que permitam uma reflexão razoável sobre o assunto. Toda essa problemática ainda se conjuga com a ascensão do fascismo no contexto complexo da conjuntura econômica e política do capitalismo contemporâneo. As teorias conspiratórias são narrativas extremamente úteis aos fascistas, permitindo assim a manutenção da fascistização social a curto e longo prazo. No Brasil, essas teorias tomaram fôlego através do “marxismo cultural”, em uma guerra cultural anticomunista com argumentos irracionais. Diante da complexidade desta situação, este estudo visa analisar a relação entre os problemas relacionados à gestão sanitária da COVID-19 no mundo com argumentos conspiratórios apresentados pelo “marxismo cultural”. O método escolhido para essa pesquisa foi o da revisão crítica da literatura marxista, a partir da pergunta de pesquisa: “o que a literatura científica apresenta sobre os problemas de gestão sanitária da COVID-19 no mundo e os argumentos conspiratórios apresentados pelo “marxismo cultural”?”. Iniciou-se a revisão através de uma busca exploratória em 70 revistas que publicam conteúdo científico marxista, considerando o período específico da pandemia de 2020 a 2023, através dos termos-livres primários: marxismo cultural (com e sem aspas); Escola de Frankfurt (com e sem aspas); guerra cultural (com e sem aspas); conservadorismo (com e sem aspas) e bolchevismo (com e sem aspas). Após, realizou-se a combinação dos termos-livres primários da busca com termos-livre secundários que foram pensados em função da sua relação com a pergunta de pesquisa com o uso do operador booleano ‘AND’. Foram eles: “pandemia”, “COVID-19” e “Fake News”.Para o processo de seleção do estudo foi utilizado o Fluxograma Prisma. Foram identificados, inicialmente, 1.085 artigos, onde foram excluídos 257 títulos duplicados; na segunda fase foram excluídos 257 publicações por tipo, restando 723 artigos. Desses 723, 614 artigos foram excluídos após a leitura dos títulos utilizando os seguintes marcadores textuais: autoritarismo, antisemitismo, antifascismo, anticomunismo, antivacina, bolsonarismo, Bolsonaro, conservadorismo, conservador, crise sanitária, coronavírus, COVID-19, conspiração, escola sem partido, extrema direita, emergência sanitária, fascismo, fascistização, guerra cultural, hegemonia neoliberal, manipulação midiática, marxismo cultural, neoconservadorismo, neoliberalismo, negacionismo, neofascistas, pandemia, políticas neoliberais, pandemia, polarização, política de isolamento social, populismo, reacionário, reacionarismo, revolução cultural, SARS-Cov-2 e ultraconservadorismo. Dos 109 artigos restantes, 67 foram excluídos após a leitura dos resumos. Realizou-se, então, a leitura completa de 42 textos, onde foram excluídos 27 artigos que não dialogaram com a pergunta de pesquisa. Foram incluídos nesta revisão o total de 15 artigos. As primeiras análises realizadas demonstraram que todos os artigos relacionam e mencionam a pandemia da COVID-19 e seus desdobramentos econômicos e políticos, através de uma interpretação histórico-crítica. Entretanto, quando analisados nos termos utilizados que podem remeter ao “marxismo cultural”, notamos que os termos presentes são: ‘negacionismo’, ‘Fake News’ e ‘teorias da conspiração’. De quinze artigos, apenas um nomeou como “marxismo cultural” como uma das teorias da conspiração presentes na sociedade. Referente a artigos que citaram a gestão da pandemia, apenas quatro artigos discutiram essa vertente. Praticamente a totalidade dos artigos direciona soluções a longo prazo de combate à estrutura do capitalismo e das suas relações sociais de produção, assim como a atenção à questão climática. Até o momento, o estudo reforçou a ausência de trabalhos que relacionam o “marxismo cultural” e a gestão da pandemia da COVID-19.","PeriodicalId":299004,"journal":{"name":"JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750","volume":"3 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2023-08-31","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1324","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
Não é novidade que as teorias conspiratórias – um conjunto de narrativas que têm como objetivo sustentar uma percepção social e política – compõem o âmago histórico das sociedades humanas. Essas teorias, que ganham voz principalmente em momentos históricos de crise, como podemos observar nos argumentos da “Nova Ordem Mundial”, “Falácia do aquecimento global”, entre outros, já estão consolidados no ideário popular. Dentre esta profusão de teorias da conspiração, uma delas tem sido frequentemente vociferada no mundo e, especialmente no Brasil: o “marxismo cultural”. Esta teoria conspiratória designa um conjunto de estratégias que teriam sido desenvolvidas pela Escola de Frankfurt e por Antonio Gramsci e posta em prática pela esquerda mundial, objetivando a destruição da cultura ocidental. Isto tem sido combinado com sucesso no Brasil com outra teoria: a da “Ameaça comunista no Brasil”, uma crença de que o país está à beira de se converter ao comunismo. A pandemia da COVID-19 fomentou ainda mais o solo fértil de tais teorias conspiratórias. Grupos que creem no “marxismo cultural”, por exemplo, têm propagado um conjunto de argumentos de que sustentam várias teses negacionistas da ciência como o antivacinismo e outras descrenças na ciência relacionadas a tratamentos e imunização de COVID-19 atribuídas a grupos de esquerda ou uma suposta dominação da “esquerda mundial”. Como observado nos últimos anos, tais argumentos têm consequências catastróficas para a saúde pública. Em cartilha da Organização Pan-Americana de Saúde, editada em 2020, o termo aparece sendo suavizado como “infodemia” e “desinformação”, não permitindo a compreensão crítica da urgência em combater esse tipo de narrativa. Segue-se, então, esse clima de ameaça constante onde não se há limites racionais e céticos que permitam uma reflexão razoável sobre o assunto. Toda essa problemática ainda se conjuga com a ascensão do fascismo no contexto complexo da conjuntura econômica e política do capitalismo contemporâneo. As teorias conspiratórias são narrativas extremamente úteis aos fascistas, permitindo assim a manutenção da fascistização social a curto e longo prazo. No Brasil, essas teorias tomaram fôlego através do “marxismo cultural”, em uma guerra cultural anticomunista com argumentos irracionais. Diante da complexidade desta situação, este estudo visa analisar a relação entre os problemas relacionados à gestão sanitária da COVID-19 no mundo com argumentos conspiratórios apresentados pelo “marxismo cultural”. O método escolhido para essa pesquisa foi o da revisão crítica da literatura marxista, a partir da pergunta de pesquisa: “o que a literatura científica apresenta sobre os problemas de gestão sanitária da COVID-19 no mundo e os argumentos conspiratórios apresentados pelo “marxismo cultural”?”. Iniciou-se a revisão através de uma busca exploratória em 70 revistas que publicam conteúdo científico marxista, considerando o período específico da pandemia de 2020 a 2023, através dos termos-livres primários: marxismo cultural (com e sem aspas); Escola de Frankfurt (com e sem aspas); guerra cultural (com e sem aspas); conservadorismo (com e sem aspas) e bolchevismo (com e sem aspas). Após, realizou-se a combinação dos termos-livres primários da busca com termos-livre secundários que foram pensados em função da sua relação com a pergunta de pesquisa com o uso do operador booleano ‘AND’. Foram eles: “pandemia”, “COVID-19” e “Fake News”.Para o processo de seleção do estudo foi utilizado o Fluxograma Prisma. Foram identificados, inicialmente, 1.085 artigos, onde foram excluídos 257 títulos duplicados; na segunda fase foram excluídos 257 publicações por tipo, restando 723 artigos. Desses 723, 614 artigos foram excluídos após a leitura dos títulos utilizando os seguintes marcadores textuais: autoritarismo, antisemitismo, antifascismo, anticomunismo, antivacina, bolsonarismo, Bolsonaro, conservadorismo, conservador, crise sanitária, coronavírus, COVID-19, conspiração, escola sem partido, extrema direita, emergência sanitária, fascismo, fascistização, guerra cultural, hegemonia neoliberal, manipulação midiática, marxismo cultural, neoconservadorismo, neoliberalismo, negacionismo, neofascistas, pandemia, políticas neoliberais, pandemia, polarização, política de isolamento social, populismo, reacionário, reacionarismo, revolução cultural, SARS-Cov-2 e ultraconservadorismo. Dos 109 artigos restantes, 67 foram excluídos após a leitura dos resumos. Realizou-se, então, a leitura completa de 42 textos, onde foram excluídos 27 artigos que não dialogaram com a pergunta de pesquisa. Foram incluídos nesta revisão o total de 15 artigos. As primeiras análises realizadas demonstraram que todos os artigos relacionam e mencionam a pandemia da COVID-19 e seus desdobramentos econômicos e políticos, através de uma interpretação histórico-crítica. Entretanto, quando analisados nos termos utilizados que podem remeter ao “marxismo cultural”, notamos que os termos presentes são: ‘negacionismo’, ‘Fake News’ e ‘teorias da conspiração’. De quinze artigos, apenas um nomeou como “marxismo cultural” como uma das teorias da conspiração presentes na sociedade. Referente a artigos que citaram a gestão da pandemia, apenas quatro artigos discutiram essa vertente. Praticamente a totalidade dos artigos direciona soluções a longo prazo de combate à estrutura do capitalismo e das suas relações sociais de produção, assim como a atenção à questão climática. Até o momento, o estudo reforçou a ausência de trabalhos que relacionam o “marxismo cultural” e a gestão da pandemia da COVID-19.