Revisão sistemática integrativa sobre os fenômenos de privatização e oligopolização do setor de terapia renal substitutiva no capitalismo contemporâneo

F. Samaan, Áquilas Mendes
{"title":"Revisão sistemática integrativa sobre os fenômenos de privatização e oligopolização do setor de terapia renal substitutiva no capitalismo contemporâneo","authors":"F. Samaan, Áquilas Mendes","doi":"10.14295/jmphc.v15.1340","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"A doença renal crônica (DRC) é problema mundial de saúde pública. Sua prevalência aumenta globalmente devido, sobretudo, ao envelhecimento da população e à epidemia de obesidade. Esses fatores levam à elevação das prevalências de hipertensão e diabetes, que são as principais causas de DRC. Como consequência do aumento da prevalência de DRC, o número estimado de pessoas em terapia renal substitutiva (TRS) no mundo dobrou nos últimos 20 anos. Nas nações em que a TRS é financiada com recursos públicos ou de seguros de saúde, cerca de 0,1% da população consome 5–7% de todo orçamento da saúde de seus países, sendo que um volume expressivo desses recursos financeiros é capturado por prestadores de assistência à saúde com finalidade lucrativa. Além da predominância de serviços de TRS com fins lucrativos, o mercado de TRS tem observado elevação do número de fusões e aquisições. Além de obter ganhos de escala em suas operações, os grandes conglomerados empresariais obtêm mais força para determinar os preços e exercer pressão por reajustes frente ao setor público. O processo de oligopolização do setor de TRS está bem estabelecido nos Estados Unidos, local em que mais de 70% das unidades de diálise são de propriedade de duas empresas multinacionais. No caso do Brasil, esse cenário é igualmente preocupante à medida em que 55% dos prestadores de TRS são privados com fins lucrativos e mais de 70% deles se encontram sob gestão de municípios, justamente o ente federativo com maior fragilidade econômica e menor poder de negociação frente ao setor privado. Estudos indicaram que os fenômenos de privatização e a oligopolização do setor de TRS podem estar associados com menor adesão à linha de cuidado da DRC, com menor chance de encaminhamento para transplante renal, menor utilização de diálise peritoneal, maior taxa de hospitalização e maior mortalidade. O objetivo deste trabalho é desenvolver uma revisão sistemática integrativa da literatura partindo da seguinte pergunta de pesquisa: O que a literatura científica apresenta sobre a relação entre o setor de terapia renal substitutiva e os fenômenos de privatização e oligopolização no contexto do capitalismo contemporâneo? Os descritores identificados no portal eletrônico Descritores em Ciências da Saúde – DeCS  foram: “terapia renal substitutiva”, “falência renal crônica” e “insuficiência renal crônica” (polo fenômeno); “privatização”, “setor privado”, “instituições privadas de saúde”, “propriedade”, “instituições associadas de saúde” e “aquisição baseada em valor” (polo população) e “capitalismo” (polo contexto). A busca exploratória foi realizada no Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde – BVS em 15/04/2023, resultando em 161 publicações. O fluxograma PRISMA e os seguintes critérios de inclusão foram utilizados para a seleção dos artigos incluídos: a) estudos em seres humanos; b) abordagem do setor TRS; c) abordagem do fenômeno de oligopolização ou privatização; e, d) o capitalismo contemporâneo, considerando o período pós 1990. Com base nesses critérios, foram realizadas as seguintes exclusões: duplicatas (3), publicações que não foram artigos (80), aquelas que não corresponderam aos critérios de inclusão após leitura dos títulos (6), resumos (30), textos incompletos (3) e por serem publicações anteriores à década de 1990 (5). Neste sentido, restaram 34 artigos considerados incluídos. O país de origem de 91% desses estudos foi os Estados Unidos (31) e os demais foram artigos da Itália (1), Romênia (1) e Taiwan (1). Seis artigos (18%) abordaram apenas o fenômeno de oligopolização, 17 (50%), somente a privatização e 11 artigos (32%), ambos os fenômenos. Quanto ao desenho dos estudos, 25 (74%) foram retrospectivos e comparativos, isto é, utilizaram pelo menos dois grupos de unidades de diálise para avaliar o impacto de um ou ambos fenômenos (oligopolização e privatização) nos desfechos dos pacientes. Cinco estudos (15%) foram descritivos, houve duas revisões sistemáticas com metanálise, um estudo prospectivo e comparativo e um estudo transversal baseado em questionário. Os principais desfechos avaliados pelos estudos comparativos foram mortalidade dos pacientes (13 estudos), taxa de hospitalização (7), utilização de medicações reembolsáveis de alto custo (7), encaminhamento para transplante renal (5), qualidade assistencial (5) e utilização de diálise peritoneal (dois estudos). Quanto ao efeito da consolidação e/ou privatização do setor de TRS, 19 estudos (73%) foram favoráveis às unidades de diálise sem fins lucrativos ou independentes, ou seja, essas unidades apresentaram melhores desfechos quando comparadas às unidades privadas ou pertencentes às grandes organizações de diálise; cinco estudos (19%) foram favoráveis às unidades de diálise com fins lucrativos ou de grandes cadeias e dois estudos (8%) foram neutros. Entre os estudos, houve grande variabilidade das técnicas estatísticas empregadas, das definições das variáveis e dos fatores de confusão incluídos na análise multivariada. Apesar disso, os resultados parciais desta pesquisa apontam para a necessidade de monitoramento da qualidade das unidades de diálise e dos desfechos dos pacientes para orientar políticas públicas, sobretudo em países com rápida elevação do número de pessoas em TRS, como é o caso do Brasil, nos quais volume importante de recursos públicos são consumidos por grandes conglomerados empresariais.","PeriodicalId":299004,"journal":{"name":"JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750","volume":"266 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2023-08-31","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1340","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract

A doença renal crônica (DRC) é problema mundial de saúde pública. Sua prevalência aumenta globalmente devido, sobretudo, ao envelhecimento da população e à epidemia de obesidade. Esses fatores levam à elevação das prevalências de hipertensão e diabetes, que são as principais causas de DRC. Como consequência do aumento da prevalência de DRC, o número estimado de pessoas em terapia renal substitutiva (TRS) no mundo dobrou nos últimos 20 anos. Nas nações em que a TRS é financiada com recursos públicos ou de seguros de saúde, cerca de 0,1% da população consome 5–7% de todo orçamento da saúde de seus países, sendo que um volume expressivo desses recursos financeiros é capturado por prestadores de assistência à saúde com finalidade lucrativa. Além da predominância de serviços de TRS com fins lucrativos, o mercado de TRS tem observado elevação do número de fusões e aquisições. Além de obter ganhos de escala em suas operações, os grandes conglomerados empresariais obtêm mais força para determinar os preços e exercer pressão por reajustes frente ao setor público. O processo de oligopolização do setor de TRS está bem estabelecido nos Estados Unidos, local em que mais de 70% das unidades de diálise são de propriedade de duas empresas multinacionais. No caso do Brasil, esse cenário é igualmente preocupante à medida em que 55% dos prestadores de TRS são privados com fins lucrativos e mais de 70% deles se encontram sob gestão de municípios, justamente o ente federativo com maior fragilidade econômica e menor poder de negociação frente ao setor privado. Estudos indicaram que os fenômenos de privatização e a oligopolização do setor de TRS podem estar associados com menor adesão à linha de cuidado da DRC, com menor chance de encaminhamento para transplante renal, menor utilização de diálise peritoneal, maior taxa de hospitalização e maior mortalidade. O objetivo deste trabalho é desenvolver uma revisão sistemática integrativa da literatura partindo da seguinte pergunta de pesquisa: O que a literatura científica apresenta sobre a relação entre o setor de terapia renal substitutiva e os fenômenos de privatização e oligopolização no contexto do capitalismo contemporâneo? Os descritores identificados no portal eletrônico Descritores em Ciências da Saúde – DeCS  foram: “terapia renal substitutiva”, “falência renal crônica” e “insuficiência renal crônica” (polo fenômeno); “privatização”, “setor privado”, “instituições privadas de saúde”, “propriedade”, “instituições associadas de saúde” e “aquisição baseada em valor” (polo população) e “capitalismo” (polo contexto). A busca exploratória foi realizada no Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde – BVS em 15/04/2023, resultando em 161 publicações. O fluxograma PRISMA e os seguintes critérios de inclusão foram utilizados para a seleção dos artigos incluídos: a) estudos em seres humanos; b) abordagem do setor TRS; c) abordagem do fenômeno de oligopolização ou privatização; e, d) o capitalismo contemporâneo, considerando o período pós 1990. Com base nesses critérios, foram realizadas as seguintes exclusões: duplicatas (3), publicações que não foram artigos (80), aquelas que não corresponderam aos critérios de inclusão após leitura dos títulos (6), resumos (30), textos incompletos (3) e por serem publicações anteriores à década de 1990 (5). Neste sentido, restaram 34 artigos considerados incluídos. O país de origem de 91% desses estudos foi os Estados Unidos (31) e os demais foram artigos da Itália (1), Romênia (1) e Taiwan (1). Seis artigos (18%) abordaram apenas o fenômeno de oligopolização, 17 (50%), somente a privatização e 11 artigos (32%), ambos os fenômenos. Quanto ao desenho dos estudos, 25 (74%) foram retrospectivos e comparativos, isto é, utilizaram pelo menos dois grupos de unidades de diálise para avaliar o impacto de um ou ambos fenômenos (oligopolização e privatização) nos desfechos dos pacientes. Cinco estudos (15%) foram descritivos, houve duas revisões sistemáticas com metanálise, um estudo prospectivo e comparativo e um estudo transversal baseado em questionário. Os principais desfechos avaliados pelos estudos comparativos foram mortalidade dos pacientes (13 estudos), taxa de hospitalização (7), utilização de medicações reembolsáveis de alto custo (7), encaminhamento para transplante renal (5), qualidade assistencial (5) e utilização de diálise peritoneal (dois estudos). Quanto ao efeito da consolidação e/ou privatização do setor de TRS, 19 estudos (73%) foram favoráveis às unidades de diálise sem fins lucrativos ou independentes, ou seja, essas unidades apresentaram melhores desfechos quando comparadas às unidades privadas ou pertencentes às grandes organizações de diálise; cinco estudos (19%) foram favoráveis às unidades de diálise com fins lucrativos ou de grandes cadeias e dois estudos (8%) foram neutros. Entre os estudos, houve grande variabilidade das técnicas estatísticas empregadas, das definições das variáveis e dos fatores de confusão incluídos na análise multivariada. Apesar disso, os resultados parciais desta pesquisa apontam para a necessidade de monitoramento da qualidade das unidades de diálise e dos desfechos dos pacientes para orientar políticas públicas, sobretudo em países com rápida elevação do número de pessoas em TRS, como é o caso do Brasil, nos quais volume importante de recursos públicos são consumidos por grandes conglomerados empresariais.
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