O lago Otjikoto e as suas diferentes narrativas

Paride Bollettin, C. El-Hani
{"title":"O lago Otjikoto e as suas diferentes narrativas","authors":"Paride Bollettin, C. El-Hani","doi":"10.51359/2526-3781.2023.258107","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Em janeiro de 2023, no âmbito de atividades do projeto “Educação Intercultural como Diálogo entre Modos de Conhecer e Formas de Conhecimento: Pesquisa Multiestratégica e Colaborativa em Comunidades Tradicionais” (financiado pelo CNPq, Proc. n. 423948/2018-0), realizamos uma viagem de campo à Namíbia. O intuito foi colaborar em estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Namíbia, sob coordenação de Cynthy Haihambo, sobre a evasão escolar de estudantes de diferentes povos San – Hai//om, Ju/hoansi e !Kung – e possiveis transformações na educação dirigida a esses povos, de modo a diminui-la. Em uma das viagens de campo durante essa estadia, duas colegas da Universidade da Namíbia – Cynthy Haihambo e Misitilde Jonas-Iita – e uma mediadora Hai//om – Martha Xoagus, que mobilizava os contatos com as comunidades e lideranças locais no assentamento de Tsintsabis e arredores – nos levaram para conhecer o Sítio de Patrimônio Nacional do Lago Otjikoto, situado próximo à cidade de Tsumeb, na região de Oshiko o, a cerca de 450 quilômetros da capital do país, Windhoek. Este lago sumidouro (ou de dolina) é um dos dois únicos lagos naturais permanentes existentes no país (o outro é o lago Guinas, a apenas 32Km de distância do lago Otjikoto).O guia também relatou como o governo colonial alemão usava a água do lago na exploração de uma mina de cobre na vizinha cidade de Tsumeb, bem como que hoje a água é usada para irrigar plantações da região, que é a área agrícola mais importante do país. Ademais, ele contou que, em 1915, o exército colonial alemão, para evitar a entrega de seus armamentos a tropas da África do Sul e da Grã-Bretanha, os jogou no fundo do lago, juntamente com um cofre que até hoje não foi encontrado e do qual não se conhece o conteúdo, o que desperta a imaginação de muitos caçadores de tesouros.Segundo o guia, o lago Otjikoto foi “descoberto” pelos exploradores europeus Francis Galton (meio-primo de Darwin, envolvido com o Darwinismo social e o pensamento eugenista) e Carl Johan Andersson em 1851. Ao escutar a explicação do guia, questionamos se os povos locais já não o conheciam. Naquele momento, Martha, do povo Hai//om, o interrompeu para nos contar que, no passado, “um grupo de Hai//om estava andando pelo local, onde havia apenas um caminho de pedra. Um grupo de homens ia na frente, outro grupo de mulheres atrás. O grupo da frente falou que a terra estava tremendo e, de repente, caiu o teto da caverna e o grupo de mulheres se afogou no lago. Por isso, os Hai//om deram-lhe o nome de “lago feio” (Gaisis).” A denominação “Otjikoto” (“buraco profundo”) foi dada pelos Herero, quando passaram a ocupar a área. Este lago é até hoje considerado amaldiçoado ou mal-assombrado pelos Hai//om, relatou Martha.Esse foto-ensaio visa descrever a invisibilidade da história Hai//om e de suas relações com o Lago Gaisis ou Otjikoto. Nenhuma menção da história desse povo sobre a origem do lago é encontrada, o que contrasta com a presença de uma placa comemorativa da chegada dos exploradores europeus. Da mesma forma, nenhuma menção é feita quanto à presença de um cemitério Hai//om nas proximidades do lago, o que contrasta com a presença de uma placa lembrando a morte de um turista sul-africano que nele mergulhava. A única presença dos Hai//om limita-se a uma representação exotizada e sensualizada dos mesmos num mural que acolhe os visitantes na entrada do sítio, ao lado de animais \"exóticos\" da fauna local.Essa invisibilidade claramente reproduz o padrão colonial de criação de uma história que visa silenciar a presença das populações locais face à chegada dos colonizadores europeus, uma história que continua ainda hoje sendo combatida na luta dos Hai//om, assim como dos povos indigenas no Brasil e no mundo, pelo reconhecimento de suas terras. Os argumentos neste artigo estão vinculados à descolonização das visões sobre eventos históricos, como parte de um esforço de corrigir sua representação equivocada em países africanos, como a Namíbia, assim como em vários outros países.","PeriodicalId":282576,"journal":{"name":"AntHropológicas Visual","volume":"90 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2023-07-28","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"AntHropológicas Visual","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.51359/2526-3781.2023.258107","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract

Em janeiro de 2023, no âmbito de atividades do projeto “Educação Intercultural como Diálogo entre Modos de Conhecer e Formas de Conhecimento: Pesquisa Multiestratégica e Colaborativa em Comunidades Tradicionais” (financiado pelo CNPq, Proc. n. 423948/2018-0), realizamos uma viagem de campo à Namíbia. O intuito foi colaborar em estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Namíbia, sob coordenação de Cynthy Haihambo, sobre a evasão escolar de estudantes de diferentes povos San – Hai//om, Ju/hoansi e !Kung – e possiveis transformações na educação dirigida a esses povos, de modo a diminui-la. Em uma das viagens de campo durante essa estadia, duas colegas da Universidade da Namíbia – Cynthy Haihambo e Misitilde Jonas-Iita – e uma mediadora Hai//om – Martha Xoagus, que mobilizava os contatos com as comunidades e lideranças locais no assentamento de Tsintsabis e arredores – nos levaram para conhecer o Sítio de Patrimônio Nacional do Lago Otjikoto, situado próximo à cidade de Tsumeb, na região de Oshiko o, a cerca de 450 quilômetros da capital do país, Windhoek. Este lago sumidouro (ou de dolina) é um dos dois únicos lagos naturais permanentes existentes no país (o outro é o lago Guinas, a apenas 32Km de distância do lago Otjikoto).O guia também relatou como o governo colonial alemão usava a água do lago na exploração de uma mina de cobre na vizinha cidade de Tsumeb, bem como que hoje a água é usada para irrigar plantações da região, que é a área agrícola mais importante do país. Ademais, ele contou que, em 1915, o exército colonial alemão, para evitar a entrega de seus armamentos a tropas da África do Sul e da Grã-Bretanha, os jogou no fundo do lago, juntamente com um cofre que até hoje não foi encontrado e do qual não se conhece o conteúdo, o que desperta a imaginação de muitos caçadores de tesouros.Segundo o guia, o lago Otjikoto foi “descoberto” pelos exploradores europeus Francis Galton (meio-primo de Darwin, envolvido com o Darwinismo social e o pensamento eugenista) e Carl Johan Andersson em 1851. Ao escutar a explicação do guia, questionamos se os povos locais já não o conheciam. Naquele momento, Martha, do povo Hai//om, o interrompeu para nos contar que, no passado, “um grupo de Hai//om estava andando pelo local, onde havia apenas um caminho de pedra. Um grupo de homens ia na frente, outro grupo de mulheres atrás. O grupo da frente falou que a terra estava tremendo e, de repente, caiu o teto da caverna e o grupo de mulheres se afogou no lago. Por isso, os Hai//om deram-lhe o nome de “lago feio” (Gaisis).” A denominação “Otjikoto” (“buraco profundo”) foi dada pelos Herero, quando passaram a ocupar a área. Este lago é até hoje considerado amaldiçoado ou mal-assombrado pelos Hai//om, relatou Martha.Esse foto-ensaio visa descrever a invisibilidade da história Hai//om e de suas relações com o Lago Gaisis ou Otjikoto. Nenhuma menção da história desse povo sobre a origem do lago é encontrada, o que contrasta com a presença de uma placa comemorativa da chegada dos exploradores europeus. Da mesma forma, nenhuma menção é feita quanto à presença de um cemitério Hai//om nas proximidades do lago, o que contrasta com a presença de uma placa lembrando a morte de um turista sul-africano que nele mergulhava. A única presença dos Hai//om limita-se a uma representação exotizada e sensualizada dos mesmos num mural que acolhe os visitantes na entrada do sítio, ao lado de animais "exóticos" da fauna local.Essa invisibilidade claramente reproduz o padrão colonial de criação de uma história que visa silenciar a presença das populações locais face à chegada dos colonizadores europeus, uma história que continua ainda hoje sendo combatida na luta dos Hai//om, assim como dos povos indigenas no Brasil e no mundo, pelo reconhecimento de suas terras. Os argumentos neste artigo estão vinculados à descolonização das visões sobre eventos históricos, como parte de um esforço de corrigir sua representação equivocada em países africanos, como a Namíbia, assim como em vários outros países.
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2023年1月,在“跨文化教育作为知识模式和知识形式之间的对话:传统社区的多战略和合作研究”项目(CNPq资助,Proc. n. 423948/2018-0)的活动范围内,我们对纳米比亚进行了实地考察。目的是合作纳米比亚大学的研究人员在Cynthy Haihambo的协调下进行的一项研究,关于不同民族San - Hai//om, Ju/hoansi和!Kung的学生的逃学,以及针对这些民族的教育可能的变化,以减少逃学。在一个乡村旅游的这期间,两个同事纳米比亚大学—Cynthy Haihambo和乔纳斯Misitilde -Iita对/ / om——和一个中介,玛莎Xoagus mobilizava联系社区和当地领导人在解决Tsintsabis附近认识的地方—成功的民族遗产Otjikoto湖,位于镇附近的Tsumeb Oshiko的地区,大约450英里的国家的首都温得和克。这个淡水湖(或多里纳湖)是该国仅有的两个天然永久湖泊之一(另一个是Guinas湖,距离Otjikoto湖仅32公里)。该指南还描述了德国殖民政府如何利用湖水在邻近的Tsumeb镇开采铜矿,以及今天这些水被用来灌溉该地区的种植园,这是该国最重要的农业区。此外,他说,在1915年,德国殖民军送他们的武器,为了避免在南非和英国军队的打和湖底的保险箱至今没有发现和内容的认识,激发想象力的探宝者很多。根据《指南》,奥吉科托湖是由欧洲探险家弗朗西斯·高尔顿(达尔文同父异母的堂兄,参与社会达尔文主义和优生学思想)和卡尔·约翰·安德森在1851年“发现”的。听了导游的解释,我们问当地人是否已经认识他了。这时,海/om人的玛莎打断了他,告诉我们,在过去,“一群海/om人走过只有一条石路的地方。一群男人在前面,另一群女人在后面。前面的那群人说,地面在震动,突然洞穴的天花板掉了下来,那群女人淹死在湖里。因此,海//om给它起了“丑陋湖”(盖西斯)的名字。“Otjikoto”(“深洞”)这个名字是Herero在占领该地区时给出的。据玛莎报道,这个湖至今仍被海//om诅咒或闹鬼。这篇照片文章旨在描述海//om的历史的不可见性,以及它与盖西斯湖或Otjikoto的关系。没有提到这些人关于湖泊起源的历史,这与欧洲探险家到来的纪念牌形成了对比。同样,书中也没有提到湖边有一个Hai//om墓地,与之形成鲜明对比的是,有一块牌匾纪念一名南非游客在湖边潜水时死亡。Hai//om的唯一存在仅限于在入口处欢迎游客的壁画上的异国情调和感官表现,旁边是当地动物的“异国情调”动物。之所以明显模仿模式建立一个殖民历史,让当地的欧洲殖民者的到来,一场战斗到底的故事,今天仍然是在挣扎的海/ /哦,就像巴西的土著民族和世界的认可,他们的土地。本文的论点与历史事件观点的非殖民化有关,这是努力纠正其在非洲国家(如纳米比亚)以及其他几个国家的错误表述的一部分。
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