{"title":"Sociedade do cansaço: reflexo da sociedade capitalista de razão neoliberal","authors":"C. E. Vieira","doi":"10.11606/issn.1981-0490.cpst.2022.194197","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"N o livro Sociedade do cansaço, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor de filosofia e estudos culturais na Universidade de Berlim, oferece ao leitor a oportunidade de mergulhar no século XXI e reconhecer traços característicos da sociedade ocidental contemporânea que nos permitiriam caracterizá-la como “sociedade do desempenho”, produtora do esgotamento, da exaustão e da depressão. O livro, publicado originalmente em alemão em 2010, e, em língua portuguesa, em 2015, com edição ampliada na sequência, traz um título instigante, que permite ao leitor apropriar-se de uma metáfora que espelha os tempos atuais e que pode conduzi-lo, dentro de certos limites, a nosso ver, a uma compreensão mais profunda da estrutura social. A temática da obra é, sem dúvida, atual. No início do século XXI, em um relatório que antecede a publicação em tela, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001) destacava que os problemas de saúde mental respondiam por 12% do peso mundial de doenças. Em torno de 450 milhões de pessoas sofriam, àquela época, de perturbações mentais e do comportamento. Os transtornos mentais, desde então, têm feito uma escalada. A prevenção ao adoecimento psíquico e a promoção da saúde têm sido indicadas pela OMS (2020) como objetivos fundamentais a serem perseguidos pelos países-membros, quando da elaboração e estabelecimento de políticas públicas e programas de saúde. Segundo Han (2017), vivemos uma época na qual as enfermidades não podem mais ser compreendidas sob um paradigma imunológico. As patologias do século XXI não são mais bacteriológicas ou virais, mas neuronais, o que exigiria um novo paradigma habilitado a compreendê-las. A escalada das enfermidades psíquicas de nosso tempo, segundo o autor, está associada ao “excesso de positividade”, à “violência da positividade” ou, em outros termos, à “violência neuronal”, que resulta da lógica da superprodução, do superdesempenho e da supercomunicação. Na visão do filósofo sul-coreano, o paradigma imunológico se mostra insuficiente para a compreensão da violência neuronal, pois subentende um antagonismo entre “dentro e fora”, “amigo e inimigo”, “próprio e estranho” (Han, 2017, p. 16). Em outro paradigma, o da “sociedade do desempenho”, o excesso de positividade é concebido como “igual” para o sujeito, e não produz neste uma reação de defesa, à semelhança do que ocorre em uma infecção viral, que com frequência resulta em uma reação defensiva do indivíduo em face da identificação de um agente invasor, estranho ao corpo. A violência neuronal opera de outro modo. A violência neuronal se baseia na pressuposição de que o sujeito tudo pode (e deve) – evidente manifestação do “excesso de positividade” – e se expressa pela contínua provocação do agir, em um ciclo frenético e interminável. O sujeito não reconhece o excesso de positividade como agente externo que deva ser enfrentado e combatido, mas como possibilidade de ação e, finalmente, como liberdade. Tal liberdade, no entanto, destaca Byung-Chul Han, é coercitiva. É uma coação à liberdade ou uma liberdade paradoxal que induz à hiperaceleração, à superprodução e ao esgotamento. Por essas razões,","PeriodicalId":33882,"journal":{"name":"Cadernos de Psicologia Social do Trabalho","volume":" ","pages":""},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2022-12-13","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"2","resultStr":null,"platform":"Semanticscholar","paperid":null,"PeriodicalName":"Cadernos de Psicologia Social do Trabalho","FirstCategoryId":"1085","ListUrlMain":"https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.cpst.2022.194197","RegionNum":0,"RegionCategory":null,"ArticlePicture":[],"TitleCN":null,"AbstractTextCN":null,"PMCID":null,"EPubDate":"","PubModel":"","JCR":"","JCRName":"","Score":null,"Total":0}
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Abstract
N o livro Sociedade do cansaço, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor de filosofia e estudos culturais na Universidade de Berlim, oferece ao leitor a oportunidade de mergulhar no século XXI e reconhecer traços característicos da sociedade ocidental contemporânea que nos permitiriam caracterizá-la como “sociedade do desempenho”, produtora do esgotamento, da exaustão e da depressão. O livro, publicado originalmente em alemão em 2010, e, em língua portuguesa, em 2015, com edição ampliada na sequência, traz um título instigante, que permite ao leitor apropriar-se de uma metáfora que espelha os tempos atuais e que pode conduzi-lo, dentro de certos limites, a nosso ver, a uma compreensão mais profunda da estrutura social. A temática da obra é, sem dúvida, atual. No início do século XXI, em um relatório que antecede a publicação em tela, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001) destacava que os problemas de saúde mental respondiam por 12% do peso mundial de doenças. Em torno de 450 milhões de pessoas sofriam, àquela época, de perturbações mentais e do comportamento. Os transtornos mentais, desde então, têm feito uma escalada. A prevenção ao adoecimento psíquico e a promoção da saúde têm sido indicadas pela OMS (2020) como objetivos fundamentais a serem perseguidos pelos países-membros, quando da elaboração e estabelecimento de políticas públicas e programas de saúde. Segundo Han (2017), vivemos uma época na qual as enfermidades não podem mais ser compreendidas sob um paradigma imunológico. As patologias do século XXI não são mais bacteriológicas ou virais, mas neuronais, o que exigiria um novo paradigma habilitado a compreendê-las. A escalada das enfermidades psíquicas de nosso tempo, segundo o autor, está associada ao “excesso de positividade”, à “violência da positividade” ou, em outros termos, à “violência neuronal”, que resulta da lógica da superprodução, do superdesempenho e da supercomunicação. Na visão do filósofo sul-coreano, o paradigma imunológico se mostra insuficiente para a compreensão da violência neuronal, pois subentende um antagonismo entre “dentro e fora”, “amigo e inimigo”, “próprio e estranho” (Han, 2017, p. 16). Em outro paradigma, o da “sociedade do desempenho”, o excesso de positividade é concebido como “igual” para o sujeito, e não produz neste uma reação de defesa, à semelhança do que ocorre em uma infecção viral, que com frequência resulta em uma reação defensiva do indivíduo em face da identificação de um agente invasor, estranho ao corpo. A violência neuronal opera de outro modo. A violência neuronal se baseia na pressuposição de que o sujeito tudo pode (e deve) – evidente manifestação do “excesso de positividade” – e se expressa pela contínua provocação do agir, em um ciclo frenético e interminável. O sujeito não reconhece o excesso de positividade como agente externo que deva ser enfrentado e combatido, mas como possibilidade de ação e, finalmente, como liberdade. Tal liberdade, no entanto, destaca Byung-Chul Han, é coercitiva. É uma coação à liberdade ou uma liberdade paradoxal que induz à hiperaceleração, à superprodução e ao esgotamento. Por essas razões,