{"title":"现在我在未来","authors":"F. Cricelli","doi":"10.2979/chiricu.5.1.06","DOIUrl":null,"url":null,"abstract":"Copyright © 2020 Trustees of Indiana University • doi:10.2979/chiricu.5.1.06 Tenho trinta e sete anos. Com essa idade minha mãe já tinha uma fi lha de quinze, eu não tenho fi lhos. Lembro-me bem daquele aniversário, com quinze anos quis alisar os cabelos longos e encaracolados, usei um batom marrom escuro da Dior, ganhei minhas primeiras maquiagens que vieram numa caixa de vime dourado com tampa verde. Batom, blush, lápis de olho e rímel acomodados por ela entre cds de Pink Floyd, Beatles e Th e Who. Naquela noite eu, ela e meu pai fomos a um restaurante cujo dono francês reinventava pratos tradicionais do sudeste asiático. Sei que uma iguaria temperada com tamarindo e cidreira era meu prato favorito, mas já não me lembro mais o que era. Dos onze aos dezoito anos me criei em Kuala Lumpur. Há uma foto dessa noite em algum lugar na casa da minha mãe, o papel desgastado pelo tempo retém o excesso de fl ash e o sorriso composto de quem queria ser adulta antes da hora. Em poucos anos passamos de imigrantes italianos de terceira geração, que saíram do Brasil em pleno rebuliço da era Collor para tentar a vida na Itália, para expatriados durante o boom econômico dos chamados tigres do sudeste asiático. O mesmo movimento pode parecer outro e novo a partir de uma conta bancária menos esguia e um contrato de trabalho estável, um colégio de elite particular cuja mensalidade é Escolho uma idade à minha medida. Guia-nos o sul, com redemoinhos de pó sobre a estepe; Renques, daninhos, pragas de gafanhotos, As cintilações faiscantes das ferraduras polidas, Tudo profetizava—visões De monge—que eu iria perecer. Peguei no destino, atei-o à sela; E agora que estou no futuro, permaneço Hirto nos estribos como uma criança.","PeriodicalId":240236,"journal":{"name":"Chiricú Journal: Latina/o Literatures, Arts, and Cultures","volume":"737 1","pages":"0"},"PeriodicalIF":0.0000,"publicationDate":"2021-01-12","publicationTypes":"Journal Article","fieldsOfStudy":null,"isOpenAccess":false,"openAccessPdf":"","citationCount":"0","resultStr":"{\"title\":\"E agora que estou no futuro\",\"authors\":\"F. Cricelli\",\"doi\":\"10.2979/chiricu.5.1.06\",\"DOIUrl\":null,\"url\":null,\"abstract\":\"Copyright © 2020 Trustees of Indiana University • doi:10.2979/chiricu.5.1.06 Tenho trinta e sete anos. Com essa idade minha mãe já tinha uma fi lha de quinze, eu não tenho fi lhos. Lembro-me bem daquele aniversário, com quinze anos quis alisar os cabelos longos e encaracolados, usei um batom marrom escuro da Dior, ganhei minhas primeiras maquiagens que vieram numa caixa de vime dourado com tampa verde. 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E agora que estou no futuro
Copyright © 2020 Trustees of Indiana University • doi:10.2979/chiricu.5.1.06 Tenho trinta e sete anos. Com essa idade minha mãe já tinha uma fi lha de quinze, eu não tenho fi lhos. Lembro-me bem daquele aniversário, com quinze anos quis alisar os cabelos longos e encaracolados, usei um batom marrom escuro da Dior, ganhei minhas primeiras maquiagens que vieram numa caixa de vime dourado com tampa verde. Batom, blush, lápis de olho e rímel acomodados por ela entre cds de Pink Floyd, Beatles e Th e Who. Naquela noite eu, ela e meu pai fomos a um restaurante cujo dono francês reinventava pratos tradicionais do sudeste asiático. Sei que uma iguaria temperada com tamarindo e cidreira era meu prato favorito, mas já não me lembro mais o que era. Dos onze aos dezoito anos me criei em Kuala Lumpur. Há uma foto dessa noite em algum lugar na casa da minha mãe, o papel desgastado pelo tempo retém o excesso de fl ash e o sorriso composto de quem queria ser adulta antes da hora. Em poucos anos passamos de imigrantes italianos de terceira geração, que saíram do Brasil em pleno rebuliço da era Collor para tentar a vida na Itália, para expatriados durante o boom econômico dos chamados tigres do sudeste asiático. O mesmo movimento pode parecer outro e novo a partir de uma conta bancária menos esguia e um contrato de trabalho estável, um colégio de elite particular cuja mensalidade é Escolho uma idade à minha medida. Guia-nos o sul, com redemoinhos de pó sobre a estepe; Renques, daninhos, pragas de gafanhotos, As cintilações faiscantes das ferraduras polidas, Tudo profetizava—visões De monge—que eu iria perecer. Peguei no destino, atei-o à sela; E agora que estou no futuro, permaneço Hirto nos estribos como uma criança.