从行政合同到合同管理

Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto
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Meu objetivo aqui é apenas delinear a trajetória da ideia de contrato de que participa a Administração Pública, apontando para a importância do instituto na construção de uma Administração menos autoritária e mais consensual. Para isso, iniciarei expondo como a doutrina enfrentou o tema da Administração partícipe da relação contratual. Em seguida, tocarei os principais elementos caracterizadores e darei uma noção de contrato administrativo. Feito isso, passarei a tratar do regime jurídico desses contratos, analisando criticamente a unicidade desse regime. No tópico final, procurarei enunciar algumas manifestações da nova contratualidade, em que o Poder Público participa não em condição sobranceira, mas como parte da relação obrigacional. \n2. A gênese da noção de contrato administrativo \nA ideia de contrato administrativo nem sempre foi pacífica na doutrina. No século passado, importantes autores rejeitavam essa ideia alegando que tal fórmula continha uma contradição. Se a Administração, centro da autoridade, participava da relação, não poderia haver contrato. Este pressupunha autonomia da vontade e equivalência entre partes contratantes. E o Estado-Administração, portador do poder soberano, nem tinha vontade, nem poderia ser nivelado à outra parte contratante. Partia-se aí da concepção de que, em se tirando as hipóteses de o Estado, autorizado por lei, firmar contratos regidos pela legislação civil (os chamados contratos privados da Administração), nos demais contratos não haveria que se falar na existência de um tipo peculiar de contrato administrativo, mas sim de um ato jurídico bilateral. Por essa visão, somente poderíamos falar de contrato no núcleo da relação econômico-financeira. \nEmbora ainda hoje haja autores que mantenham essa posição crítica ao conceito (BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 563), o debate restou superado a partir dos anos de 1960 do século passado, firmando-se a doutrina por entender que o instituto contrato pertenceria à Teoria Geral do Direito e que, no âmbito do Direito Administrativo, o contrato seria revestido de certas características peculiares, que conformariam o contrato administrativo. As principais peculiaridades dessa espécie de contrato corresponderia à presença de cláusulas exorbitantes (MEIRELLES, 1990, p. 191) e ao fato de não existir na sua origem nem a liberdade em contratar, pois a escolha do privado seria submetida em regra ao dever de licitar, ne, propriamente uma autonomia da vontade, pois a finalidade pública vincularia o agir da Administração contratante (Dl PIETRO, 2008, p. 242; MEIRELLES, 1990, p. 190). \nA doutrina brasileira consolidou-se em torno da tese de que os contratos administrativos são espécies do gênero contrato bilateral, tendo por objeto o fornecimento de bens, a prestação de serviços, a execução de uma obra por um particular (pessoa física ou jurídica) ou, ainda, a alienação de bens públicos ou a delegação da prestação de um serviço público ou a outorga de direito privativo de uso. \nPara a formação desse vínculo, seria necessário o atendimento de determinados requisitos (dotação orçamentária autorização específica, licitação pública), limitadores da margem de liberdade da Administração para contratar. Na execução desse contrato, haveria uma posição de supremacia da Administração, caracterizada pelas chamadas cláusulas exorbitantes (ENTERRIA; FERNÁNDEZ, 1997, p. 692), predicadoras da prerrogativa para unilateralmente alterar, rescindir, intervir, fiscalizar e punir o particular. De outro lado, haveria, em favor do particular, uma reserva quanto às chamadas cláusulas econômicas da avença (preço, condições de pagamento, preservação da equivalência monetária, balanço entre obrigações e remuneração, etc.), de tal sorte que estas seriam não apenas vinculantes para a Administração, mas também incólumes diante das alterações ditadas pelo Poder Público ou mesmo daquelas decorrentes de fatores imprevistos (TÁCITO, 1971). \nEssas concepções foram gradualmente incorporadas pela jurisprudência e, depois, pelo Direito Positivo. Vêm hoje refletidas em diversos dispositivos da Lei 8.666/1993 (LGL\\1993\\78), dentre os quais se destacam os arts. 58, 65, 67 e 79, inciso I (prerrogativas exorbitantes), e pelos arts. 57, § 1º, 65, inciso II, alínea d, e § 6º (preservação do núcleo econômico pactuado). \n3. A consequência: contrato administrativo como fonte relativa de obrigações \nAo se afastar das teorias que negavam a existência do contrato administrativo, contraditoriamente a doutrina brasileira acabou por esvaziar o contrato como fonte de obrigação para a Administração. Como se costumou asseverar, descaberia obrigar a Administração a cumprir o quanto pactuado num contrato, exigir a execução da norma contratual em favor do particular em muitas situações, porquanto não seria possível que \"o interesse público ficasse vergado ao interesse particular\" (BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 568). \nCom efeito, a Teoria do Contrato Administrativo no Brasil, para consagrar o conceito, não refutou a tese de que a Administração poderia igualar-se ao privado na relação obrigacional. Ao contrário, tomou por pressuposto que a participação da Administração numa relação contratual não lhe retiraria a posição sobranceira, superior, assimétrica. Sendo a Administração, por definição, tutora do interesse público, não poderia ela igualar-se ao privado. Disso decorreria: (a) a ausência de igualdade entre as partes; e (b) as prerrogativas de intervenção unilateral nas condições pactuadas (subjacentes às cláusulas exorbitantes). Sendo, em qualquer hipótese, a relação obrigacional assimétrica, e só podendo a Administração obrigar-se pela Lei, jamais poderia o particular contratado invocar o contrato para exigir que a Administração cumprisse o quanto se houvera obrigado. \nNo século XX, o contrato administrativo aproximou-se da expropriação diferida. \nFácil foi a difusão da concepção de relativa desvinculação da Administração das obrigações contratuais. O contrato administrativo, visto assim, não seria uma verdadeira fonte de obrigações para a Administração, mas sim uma pactuação provisória, sujeitando seu cumprimento à permanente análise de conveniência e oportunidade pelo agente público, compreendido como o único guardião do interesse público (seja lá o que isso signifique). \nMesmo para sua obrigação de pagar e de preservar as condições econômicas avençadas, a fonte da obrigação seria a lei, e não o contrato. Malgrado a doutrina do equilíbrio econômico e financeiro e de sua incolumidade, o grau de vinculação das partes ao seu respectivo plexo de obrigações também seria desigual: o particular, óbvio, não poderia descumprir o quanto a que se obrigara; a Administração (sempre sob o pálio do interesse público), eventualmente, poderia esquivar-se ou postergar sua obrigação de pagar o preço ajustado. Comuns tornaram-se as situações em que o Poder Público, alegando insuficiência de recursos ou dificuldades orçamentárias, impingiu aos seus contratados reduções unilaterais de valor sem equivalente diminuição de encargos, desrespeitando sobranceiramente o próprio âmago econômico da avença. \nTal assimetria mostrava-se mesmo no âmbito da obrigação de pagar (núcleo tido como incontroversamente obrigacional, pois que inerente ao núcleo econômico do contrato). Bons exemplos são os entendimentos doutrinários que refutavam a aplicação da cláusula de exceção do contrato não cumprido, por muito tempo tida pela doutrina como inaplicável ao contrato administrativo (MEIRELLES, 1990, p. 190). Apenas com o advento da Lei 8.666/1993 (LGL\\1993\\78) (art. 78, inciso XV) passou-se a permitir que o particular suspendesse a execução de suas obrigações caso a Administração deixasse de pagar as parcelas do preço contratado. Mesmo assim, essa possibilidade dependia da perduração da mora (por pelo menos 90 dias), não sendo aplicável a todos os contratos administrativos, como demonstra o art. 39, parágrafo único, da Lei 8.987/1995 (LGL\\1995\\43). \nÉ célebre episódio ocorrido há alguns anos. A Administração de um grande Município estava inadimplente há meses no pagamento das tarifas pelo fornecimento de luz. A distribuidora, amparada pela Lei, decidiu cortar o fornecimento a algumas repartições administrativas. E, assim o fez, não sem aviso prévio. Indignado, o Prefeito foi ao Judiciário combater a suspensão parcial do fornecimento, alegando que isso feria o interesse público (sempre ele), como se repartir a inadimplência contratual gerada pela má gestão municipal por lodos os usuários do serviço público também não fosse ferir o interesse público. Naquela oportunidade, célere, o Judiciário fez lembrar a todos que contratos com o Poder Público, afinal de contas, não devem ser levados a sério! Determinou o imediato restabelecimento do fornecimento. Não determinou o imediato pagamento das contas em atraso, pois isso, afinal, iria contra o interesse público. \nEm suma, durante muito tempo nossa cultura jurídica sustentou que a Administração não deveria estar submetida ao contrato se e quando isso contrariasse o interesse público. 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Para isso, iniciarei expondo como a doutrina enfrentou o tema da Administração partícipe da relação contratual. Em seguida, tocarei os principais elementos caracterizadores e darei uma noção de contrato administrativo. Feito isso, passarei a tratar do regime jurídico desses contratos, analisando criticamente a unicidade desse regime. No tópico final, procurarei enunciar algumas manifestações da nova contratualidade, em que o Poder Público participa não em condição sobranceira, mas como parte da relação obrigacional. \\n2. A gênese da noção de contrato administrativo \\nA ideia de contrato administrativo nem sempre foi pacífica na doutrina. No século passado, importantes autores rejeitavam essa ideia alegando que tal fórmula continha uma contradição. Se a Administração, centro da autoridade, participava da relação, não poderia haver contrato. Este pressupunha autonomia da vontade e equivalência entre partes contratantes. E o Estado-Administração, portador do poder soberano, nem tinha vontade, nem poderia ser nivelado à outra parte contratante. Partia-se aí da concepção de que, em se tirando as hipóteses de o Estado, autorizado por lei, firmar contratos regidos pela legislação civil (os chamados contratos privados da Administração), nos demais contratos não haveria que se falar na existência de um tipo peculiar de contrato administrativo, mas sim de um ato jurídico bilateral. Por essa visão, somente poderíamos falar de contrato no núcleo da relação econômico-financeira. \\nEmbora ainda hoje haja autores que mantenham essa posição crítica ao conceito (BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 563), o debate restou superado a partir dos anos de 1960 do século passado, firmando-se a doutrina por entender que o instituto contrato pertenceria à Teoria Geral do Direito e que, no âmbito do Direito Administrativo, o contrato seria revestido de certas características peculiares, que conformariam o contrato administrativo. As principais peculiaridades dessa espécie de contrato corresponderia à presença de cláusulas exorbitantes (MEIRELLES, 1990, p. 191) e ao fato de não existir na sua origem nem a liberdade em contratar, pois a escolha do privado seria submetida em regra ao dever de licitar, ne, propriamente uma autonomia da vontade, pois a finalidade pública vincularia o agir da Administração contratante (Dl PIETRO, 2008, p. 242; MEIRELLES, 1990, p. 190). \\nA doutrina brasileira consolidou-se em torno da tese de que os contratos administrativos são espécies do gênero contrato bilateral, tendo por objeto o fornecimento de bens, a prestação de serviços, a execução de uma obra por um particular (pessoa física ou jurídica) ou, ainda, a alienação de bens públicos ou a delegação da prestação de um serviço público ou a outorga de direito privativo de uso. \\nPara a formação desse vínculo, seria necessário o atendimento de determinados requisitos (dotação orçamentária autorização específica, licitação pública), limitadores da margem de liberdade da Administração para contratar. Na execução desse contrato, haveria uma posição de supremacia da Administração, caracterizada pelas chamadas cláusulas exorbitantes (ENTERRIA; FERNÁNDEZ, 1997, p. 692), predicadoras da prerrogativa para unilateralmente alterar, rescindir, intervir, fiscalizar e punir o particular. De outro lado, haveria, em favor do particular, uma reserva quanto às chamadas cláusulas econômicas da avença (preço, condições de pagamento, preservação da equivalência monetária, balanço entre obrigações e remuneração, etc.), de tal sorte que estas seriam não apenas vinculantes para a Administração, mas também incólumes diante das alterações ditadas pelo Poder Público ou mesmo daquelas decorrentes de fatores imprevistos (TÁCITO, 1971). \\nEssas concepções foram gradualmente incorporadas pela jurisprudência e, depois, pelo Direito Positivo. 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Sendo, em qualquer hipótese, a relação obrigacional assimétrica, e só podendo a Administração obrigar-se pela Lei, jamais poderia o particular contratado invocar o contrato para exigir que a Administração cumprisse o quanto se houvera obrigado. \\nNo século XX, o contrato administrativo aproximou-se da expropriação diferida. \\nFácil foi a difusão da concepção de relativa desvinculação da Administração das obrigações contratuais. O contrato administrativo, visto assim, não seria uma verdadeira fonte de obrigações para a Administração, mas sim uma pactuação provisória, sujeitando seu cumprimento à permanente análise de conveniência e oportunidade pelo agente público, compreendido como o único guardião do interesse público (seja lá o que isso signifique). \\nMesmo para sua obrigação de pagar e de preservar as condições econômicas avençadas, a fonte da obrigação seria a lei, e não o contrato. Malgrado a doutrina do equilíbrio econômico e financeiro e de sua incolumidade, o grau de vinculação das partes ao seu respectivo plexo de obrigações também seria desigual: o particular, óbvio, não poderia descumprir o quanto a que se obrigara; a Administração (sempre sob o pálio do interesse público), eventualmente, poderia esquivar-se ou postergar sua obrigação de pagar o preço ajustado. Comuns tornaram-se as situações em que o Poder Público, alegando insuficiência de recursos ou dificuldades orçamentárias, impingiu aos seus contratados reduções unilaterais de valor sem equivalente diminuição de encargos, desrespeitando sobranceiramente o próprio âmago econômico da avença. \\nTal assimetria mostrava-se mesmo no âmbito da obrigação de pagar (núcleo tido como incontroversamente obrigacional, pois que inerente ao núcleo econômico do contrato). Bons exemplos são os entendimentos doutrinários que refutavam a aplicação da cláusula de exceção do contrato não cumprido, por muito tempo tida pela doutrina como inaplicável ao contrato administrativo (MEIRELLES, 1990, p. 190). Apenas com o advento da Lei 8.666/1993 (LGL\\\\1993\\\\78) (art. 78, inciso XV) passou-se a permitir que o particular suspendesse a execução de suas obrigações caso a Administração deixasse de pagar as parcelas do preço contratado. Mesmo assim, essa possibilidade dependia da perduração da mora (por pelo menos 90 dias), não sendo aplicável a todos os contratos administrativos, como demonstra o art. 39, parágrafo único, da Lei 8.987/1995 (LGL\\\\1995\\\\43). \\nÉ célebre episódio ocorrido há alguns anos. A Administração de um grande Município estava inadimplente há meses no pagamento das tarifas pelo fornecimento de luz. A distribuidora, amparada pela Lei, decidiu cortar o fornecimento a algumas repartições administrativas. E, assim o fez, não sem aviso prévio. Indignado, o Prefeito foi ao Judiciário combater a suspensão parcial do fornecimento, alegando que isso feria o interesse público (sempre ele), como se repartir a inadimplência contratual gerada pela má gestão municipal por lodos os usuários do serviço público também não fosse ferir o interesse público. Naquela oportunidade, célere, o Judiciário fez lembrar a todos que contratos com o Poder Público, afinal de contas, não devem ser levados a sério! Determinou o imediato restabelecimento do fornecimento. Não determinou o imediato pagamento das contas em atraso, pois isso, afinal, iria contra o interesse público. \\nEm suma, durante muito tempo nossa cultura jurídica sustentou que a Administração não deveria estar submetida ao contrato se e quando isso contrariasse o interesse público. 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摘要

由于这是一种灵活的措辞,开放的,容易被行政人员填写(AZEVEDO MARQUES NETO, 2002),反对
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Do contrato administrativo à administração contratual
Não é exagero dizer que vivemos uma transformação radical no papel que o instituto contrato cumpre no Direito Administrativo. Desde o final da primeira metade do século passado até os dias de hoje, a ideia de um contrato de que participe o Poder Público percorreu uma longa trajetória, que vai desde a rejeição de que o Poder Público pudesse travar relações obrigacionais com os privados (BANDEIRA DE MELLO, 1979, p. 681; 1967, p. 25 e ss.) até o momento atual, em que se pode falar no contrato como instrumento para exercício das atividades-fim da Administração, e não apenas como instrumento para suas atividades-meio. Não é objetivo do presente texto aprofundar essa discussão complexa e polêmica. Alguns autores já o têm feito com grande êxito (MOREIRA NETO, 2008; ALMEIDA, 2008; ESTORNINHO, 2009). Meu objetivo aqui é apenas delinear a trajetória da ideia de contrato de que participa a Administração Pública, apontando para a importância do instituto na construção de uma Administração menos autoritária e mais consensual. Para isso, iniciarei expondo como a doutrina enfrentou o tema da Administração partícipe da relação contratual. Em seguida, tocarei os principais elementos caracterizadores e darei uma noção de contrato administrativo. Feito isso, passarei a tratar do regime jurídico desses contratos, analisando criticamente a unicidade desse regime. No tópico final, procurarei enunciar algumas manifestações da nova contratualidade, em que o Poder Público participa não em condição sobranceira, mas como parte da relação obrigacional. 2. A gênese da noção de contrato administrativo A ideia de contrato administrativo nem sempre foi pacífica na doutrina. No século passado, importantes autores rejeitavam essa ideia alegando que tal fórmula continha uma contradição. Se a Administração, centro da autoridade, participava da relação, não poderia haver contrato. Este pressupunha autonomia da vontade e equivalência entre partes contratantes. E o Estado-Administração, portador do poder soberano, nem tinha vontade, nem poderia ser nivelado à outra parte contratante. Partia-se aí da concepção de que, em se tirando as hipóteses de o Estado, autorizado por lei, firmar contratos regidos pela legislação civil (os chamados contratos privados da Administração), nos demais contratos não haveria que se falar na existência de um tipo peculiar de contrato administrativo, mas sim de um ato jurídico bilateral. Por essa visão, somente poderíamos falar de contrato no núcleo da relação econômico-financeira. Embora ainda hoje haja autores que mantenham essa posição crítica ao conceito (BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 563), o debate restou superado a partir dos anos de 1960 do século passado, firmando-se a doutrina por entender que o instituto contrato pertenceria à Teoria Geral do Direito e que, no âmbito do Direito Administrativo, o contrato seria revestido de certas características peculiares, que conformariam o contrato administrativo. As principais peculiaridades dessa espécie de contrato corresponderia à presença de cláusulas exorbitantes (MEIRELLES, 1990, p. 191) e ao fato de não existir na sua origem nem a liberdade em contratar, pois a escolha do privado seria submetida em regra ao dever de licitar, ne, propriamente uma autonomia da vontade, pois a finalidade pública vincularia o agir da Administração contratante (Dl PIETRO, 2008, p. 242; MEIRELLES, 1990, p. 190). A doutrina brasileira consolidou-se em torno da tese de que os contratos administrativos são espécies do gênero contrato bilateral, tendo por objeto o fornecimento de bens, a prestação de serviços, a execução de uma obra por um particular (pessoa física ou jurídica) ou, ainda, a alienação de bens públicos ou a delegação da prestação de um serviço público ou a outorga de direito privativo de uso. Para a formação desse vínculo, seria necessário o atendimento de determinados requisitos (dotação orçamentária autorização específica, licitação pública), limitadores da margem de liberdade da Administração para contratar. Na execução desse contrato, haveria uma posição de supremacia da Administração, caracterizada pelas chamadas cláusulas exorbitantes (ENTERRIA; FERNÁNDEZ, 1997, p. 692), predicadoras da prerrogativa para unilateralmente alterar, rescindir, intervir, fiscalizar e punir o particular. De outro lado, haveria, em favor do particular, uma reserva quanto às chamadas cláusulas econômicas da avença (preço, condições de pagamento, preservação da equivalência monetária, balanço entre obrigações e remuneração, etc.), de tal sorte que estas seriam não apenas vinculantes para a Administração, mas também incólumes diante das alterações ditadas pelo Poder Público ou mesmo daquelas decorrentes de fatores imprevistos (TÁCITO, 1971). Essas concepções foram gradualmente incorporadas pela jurisprudência e, depois, pelo Direito Positivo. Vêm hoje refletidas em diversos dispositivos da Lei 8.666/1993 (LGL\1993\78), dentre os quais se destacam os arts. 58, 65, 67 e 79, inciso I (prerrogativas exorbitantes), e pelos arts. 57, § 1º, 65, inciso II, alínea d, e § 6º (preservação do núcleo econômico pactuado). 3. A consequência: contrato administrativo como fonte relativa de obrigações Ao se afastar das teorias que negavam a existência do contrato administrativo, contraditoriamente a doutrina brasileira acabou por esvaziar o contrato como fonte de obrigação para a Administração. Como se costumou asseverar, descaberia obrigar a Administração a cumprir o quanto pactuado num contrato, exigir a execução da norma contratual em favor do particular em muitas situações, porquanto não seria possível que "o interesse público ficasse vergado ao interesse particular" (BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 568). Com efeito, a Teoria do Contrato Administrativo no Brasil, para consagrar o conceito, não refutou a tese de que a Administração poderia igualar-se ao privado na relação obrigacional. Ao contrário, tomou por pressuposto que a participação da Administração numa relação contratual não lhe retiraria a posição sobranceira, superior, assimétrica. Sendo a Administração, por definição, tutora do interesse público, não poderia ela igualar-se ao privado. Disso decorreria: (a) a ausência de igualdade entre as partes; e (b) as prerrogativas de intervenção unilateral nas condições pactuadas (subjacentes às cláusulas exorbitantes). Sendo, em qualquer hipótese, a relação obrigacional assimétrica, e só podendo a Administração obrigar-se pela Lei, jamais poderia o particular contratado invocar o contrato para exigir que a Administração cumprisse o quanto se houvera obrigado. No século XX, o contrato administrativo aproximou-se da expropriação diferida. Fácil foi a difusão da concepção de relativa desvinculação da Administração das obrigações contratuais. O contrato administrativo, visto assim, não seria uma verdadeira fonte de obrigações para a Administração, mas sim uma pactuação provisória, sujeitando seu cumprimento à permanente análise de conveniência e oportunidade pelo agente público, compreendido como o único guardião do interesse público (seja lá o que isso signifique). Mesmo para sua obrigação de pagar e de preservar as condições econômicas avençadas, a fonte da obrigação seria a lei, e não o contrato. Malgrado a doutrina do equilíbrio econômico e financeiro e de sua incolumidade, o grau de vinculação das partes ao seu respectivo plexo de obrigações também seria desigual: o particular, óbvio, não poderia descumprir o quanto a que se obrigara; a Administração (sempre sob o pálio do interesse público), eventualmente, poderia esquivar-se ou postergar sua obrigação de pagar o preço ajustado. Comuns tornaram-se as situações em que o Poder Público, alegando insuficiência de recursos ou dificuldades orçamentárias, impingiu aos seus contratados reduções unilaterais de valor sem equivalente diminuição de encargos, desrespeitando sobranceiramente o próprio âmago econômico da avença. Tal assimetria mostrava-se mesmo no âmbito da obrigação de pagar (núcleo tido como incontroversamente obrigacional, pois que inerente ao núcleo econômico do contrato). Bons exemplos são os entendimentos doutrinários que refutavam a aplicação da cláusula de exceção do contrato não cumprido, por muito tempo tida pela doutrina como inaplicável ao contrato administrativo (MEIRELLES, 1990, p. 190). Apenas com o advento da Lei 8.666/1993 (LGL\1993\78) (art. 78, inciso XV) passou-se a permitir que o particular suspendesse a execução de suas obrigações caso a Administração deixasse de pagar as parcelas do preço contratado. Mesmo assim, essa possibilidade dependia da perduração da mora (por pelo menos 90 dias), não sendo aplicável a todos os contratos administrativos, como demonstra o art. 39, parágrafo único, da Lei 8.987/1995 (LGL\1995\43). É célebre episódio ocorrido há alguns anos. A Administração de um grande Município estava inadimplente há meses no pagamento das tarifas pelo fornecimento de luz. A distribuidora, amparada pela Lei, decidiu cortar o fornecimento a algumas repartições administrativas. E, assim o fez, não sem aviso prévio. Indignado, o Prefeito foi ao Judiciário combater a suspensão parcial do fornecimento, alegando que isso feria o interesse público (sempre ele), como se repartir a inadimplência contratual gerada pela má gestão municipal por lodos os usuários do serviço público também não fosse ferir o interesse público. Naquela oportunidade, célere, o Judiciário fez lembrar a todos que contratos com o Poder Público, afinal de contas, não devem ser levados a sério! Determinou o imediato restabelecimento do fornecimento. Não determinou o imediato pagamento das contas em atraso, pois isso, afinal, iria contra o interesse público. Em suma, durante muito tempo nossa cultura jurídica sustentou que a Administração não deveria estar submetida ao contrato se e quando isso contrariasse o interesse público. Como essa é uma dicção dúctil, aberta e suscetível de ser preenchida ao alvedrio administrador (AZEVEDO MARQUES NETO, 2002), o contra
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